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Cuidado Paliativo | Não deixe ninguém para trás

O semeador saiu a semear. Enquanto lançava a semente, parte dela caiu à beira do caminho, e as aves vieram e comeram. Parte dela caiu em terreno pedregoso, onde não havia muita terra; e logo brotou, porque a terra não era profunda. Mas, quando saiu o sol, as plantas se queimaram e secaram, porque não tinham raiz. Outra parte caiu entre espinhos, que cresceram e sufocaram as plantas, de forma que ela não deu fruto. Outra ainda caiu em boa terra, germinou, cresceu e deu boa colheita, a trinta, sessenta e até cem por um. (1)
Este trecho do Evangelho de Marcos será a base para comemorarmos o Dia Mundial dos Cuidados Paliativos neste 09 de outubro de 2021 (sempre o segundo sábado de outubro), pois nos fala da nossa capacidade ou não de poder ser a ajuda necessária àquele que sofre, seja com uma doença grave e incurável ou na proximidade da morte, através dos Cuidados Paliativos, que representando um cuidado ativo e efetivo nada tem a ver com deixar de fazer ou com eutanásia, mas com o cuidar, cujo foco é aquele que sofre e a sua família.


O tema deste ano é ‘não deixe ninguém para trás – equidade no acesso aos Cuidados Paliativos’ que tem como pano de fundo a pandemia pelo SARSCOV-2 e a parábola do semeador bem nos serve nesse momento, pois nos faz pensar em que tipo de semente queremos ser no caminho do auxílio àquele que necessita ser cuidado diante do sofrimento, e no quanto vale ser a semente que cai na boa terra e dá boa colheita, já que o cuidado deve sempre ser prioritário sobre a cura ... porque nossas vitórias sobre o adoecimento e sobre a morte são sempre temporárias, mas nossa necessidade de suporte, de cuidados, diante deles é permanente.(2) e porque transcender a morte não é eliminá-la, mas dar-lhe a dignidade merecida.(3)

Os Cuidados Paliativos datam de milênios, sendo que na Idade Média os hospices (hospedarias) não tinham a função meramente curativa, mas de caridade, amparo total, oferecendo os cuidados físicos e enfatizando o bem-estar espiritual, principalmente porque as instituições eram religiosas. O modelo moderno fundamenta-se com Cicely Saunders e o Hospice St. Cristopher’s.
A história de Cicely Saunders vale ser revisitada. Inicialmente graduada em Política Economia e Filosofia, realizou seu sonho graduando-se em Enfermagem cujo empenho e árduo trabalho junto aos enfermos começou a lhe trazer problemas físicos; diante disso decide graduar-se em Política e Administração Pública e Social, quando poderia trabalhar como Trabalhadora Social e Sanitária juntos aos enfermos. Em 1947 conhece um judeu, David Tasma, que tinha um câncer inoperável que buscava alguém que o ajudasse a terminar a vida consciente do seu valor pessoal. A relação entre eles se estreitou e Cicely compartilhou com ele sua experiência de ajudar outros pacientes terminais, nascendo daí o pensamento conjunto da criação de um local de apoio a todos que sofre. Em 1948 David faleceu e deixou uma fortuna para a criação do hospice, o que aconteceu 19 anos mais tarde. Cicely continuou dedicando-se cada vez mais aos cuidados dos moribundos, trabalhando também às noites. Um médico, Dr Barret, então lhe diz: - se você quer ajudar os enfermos vá estudar medicina, pois são os médicos os que mais abandonam os pacientes. Aos 33 anos ela entrou para a faculdade de Medicina, nunca tendo deixado de trabalhar como voluntária no cuidado aos doentes. Em 1961 funda-se o St. Cristopher’s Hospice, que iniciou suas atividades em 1967.


É a partir dessa trajetória multiprofissional de Cicely, seu empenho em avaliar e monitorar o controle da dor e de outros sintomas dos pacientes, de instituir os cuidados controlados, à sua dedicação a uma filosofia (a do Cuidado Paliativo) que se fundamentou o que hoje é uma área em difusão pelo mundo, mas que no entanto ainda tem restrições de expansão, muito pelo desconhecimento de sua filosofia, princípios e benefícios e por isso a finalidade deste texto e da comemoração do Dia Mundial, a dar a conhecer o tema e espantar ‘fantasmas’ e informações e conceitos equivocados.

Ao revisitarmos a história de Cicely, pensarmos nos Médicos Sem Fronteiras, nas irmãs da Ordem de Madre Teresa de Calcutá, ou ainda tantas outros conhecidos ou desconhecidos e quem prestam assistência aos que sofrem ou estão perto da morte,  e com o impacto devastador da pandemia pelo SARSCOV-2 não há como não conceber a necessidade dos Cuidados Paliativos. Se esses, muito mais a partir de um sonho pessoal, empatia e compaixão puderam ser a semente que caiu em boa terra e deu boa colheita, o quanto nós, com os recursos de hoje, também podemos se voltarmos o nosso olhar e a nossa vontade à filosofia do cuidado que foi o fio guia desses.

Pensar nas consequências imediatas ou tardias da pandemia pelo SARSCOV-2 é reconhecer a necessidade do cuidado que alivie o sofrimento e melhore a qualidade de vida, na fase da doença e do luto, como bem descrito acima.
O tema desse ano  ‘não deixe ninguém para trás – igualdade no acesso aos Cuidados Paliativos tem como pano de fundo a pandemia do SARSCOV-2, cujo impacto foi inimaginável em todo o mundo, afetando incisivamente a saúde das pessoas, provocando um sem fim de mortes, acentuando desigualdades sociais e provocando muito sofrimento, que além de físico foi econômico, social e fortemente emocional, especialmente pela ocorrência inesperada da morte e não raro de quase todos de uma mesma família. Quantos buscaram e não conseguiram UTI! Quantos morreram intubados e isolados de todos, inclusive e muito especialmente após a morte! Quantos foram sepultados/cremados sem poderem ser visto por algum familiar a partir da internação! Quantos tiveram sequelas graves! Quantos que já apresentavam outras doenças crônicas e tiveram piora do seu quadro pós COVID! Quanto sofrimento emocional por lutos não adequadamente vividos, sem a possibilidade de rituais ou de um simples toque de adeus! Quantos seres humanos deixaram de ser solidários com outros para no mínimo contribuir para não aumento de casos, ao contrário, fazendo questão de aumenta-los! Quanto de desdém por parte de governantes, os quais deveriam ser os mais empenhados no combate a evolução da pandemia e que foram, ao contrário, os que foram descuidados, negligentes, não raro praticando toda ordem de desserviço prejudicando a conscientização e controle da pandemia! Quanto desapreço pela vida humana! E o futuro ainda é incerto, sem sabermos exatamente quando o quadro passará de pandemia para endemia nos permitindo conviver com a doença e termos o nosso ‘normal’ de volta.

Talvez só imaginássemos isso tudo na ficção cinematográfica ou que a morte não fosse capaz de ceifar tantas vidas em tão pouco tempo e talvez por isso tantos tenham negligenciado as medidas sanitárias ideais. E diante dessa não ficção, mas infelizmente a triste realidade, esse dia de comemoração nos leva a pensar no quanto aquele que sofre precisa ser cuidado, no quanto tantos desses não passíveis de serem curados, terão que ser paliados diante do sofrimento.
A pandemia do SARSCOV-2 relevou as desigualdades sociais e econômicas, aflorou sofrimento espiritual e emocional, não só dos pacientes, como de seus familiares, o que nos remete à filosofia dos Cuidados Paliativos diante da necessidade do cuidado da dor total (física, social, emocional e espiritual).

Há alguns meses passados, estando internado, o Papa Francisco, da janela do hospital, expressou: ‘nestes dias de hospitalização, experimentei a importância de um bom serviço de saúde, acessível a todos...não podemos perder este bem, mas precisamos mantê-lo... e termina sua fala com um incentivo aos profissionais de saúde: não fiquem sós. Durante a pandemia, sendo reflexo de seu pontificado, Francisco demonstrou compaixão, misericórdia, empatia, amor ao próximo e sem saber do tema do dia mundial, expressou exatamente o seu conteúdo. Que possamos aprender com esses – médicos sem fronteiras, irmãs da ordem de Madre Teresa de Calcutá, Papa Francisco o valor e o poder de cuidar dos enfermos, a ter respeito não só pela vida, mas pela dignidade humana e que para isso possamos nos valer dos Cuidados Paliativos, que não é o que resta a oferecer, mas pelo contrário, o melhor que só pode oferecer àquele que sofre com doenças incuráveis ou que se aproxime da morte. E que os governantes, realmente aprendam a pensar nos pacientes e nos profissionais de saúde e que não os deixem sós.


Bíblia Sagrada, Evangelho Marcos 4;3-9 (2) Callahan (3) Santos



João Batista Alves de Oliveira
Médico Paliativista - @palliumpaliativo 

 
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