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São Francisco de Assis
Titulo São Francisco de Assis

Titulo São Francisco de Assis

A VIDA DE SÃO FRANCISCO DE ASSIS

Cronologia da Vida de Francisco de Assis
1181/1182: Francisco nasce em Assis, cidade da Itália, filho de Pedro de Bernardone e de Dona Pica. Recebeu inicialmente o nome de João, mas depois o pai lhe muda o nome para Francisco.
1202-1203: Francisco luta na guerra entre Assis e Perugia, cai preso e é libertado após um ano.
1204-1205: Francisco passa por uma longa doença e por uma demorada recuperação, durante a qual começa a mudar seu modo de ver a vida. Provavelmente nesse período acontece o seu primeiro encontro com os leprosos.
1205: Após uma visão em sonhos, Francisco decide embarcar em uma nova aventura cavalheiresca e para as Apúlias. Ainda no caminho, em Espoleto, uma nova visão o faz voltar para casa.
1206: Em praça pública, o pai rompe com Francisco, deserda-o e Francisco se torna um penitente.
1208: Alguns companheiros se unem a Francisco, que recebe do Senhor a sua forma de vida evangélica.
1209: Os frades recebem do Papa Inocêncio III, em Roma, a aprovação oral de seu propósito de viver o Evangelho.
1212: Na noite de Domingo de Ramos, Clara foge da casa dos pais e abraça a pobreza, unindo-se ao mesmo ideal de Francisco.
1217: Primeiro Capítulo Geral na Porciúncula envia frades para as missões.
1219: Partindo para o Oriente, Francisco se encontra com o sultão e visita os lugares santos por onde Jesus passou.
1220: Francisco volta à Itália devido a conflitos no interior da ordem. Ele nomeia frei Pedro Cattani como Vigário Geral.
1221: Aprovação da Regra Não Bulada pelos frades no Capítulo Geral, bem como do Memorial do Propósito de Vida, que institui o movimento dos franciscanos seculares.
1223: Francisco escreve uma nova versão da Regra, confirmada pelo papa Honório III. No Natal deste ano, acontece a encenação no presépio vivo em Greccio.
1224: Francisco se retira, com Frei Leão, para o Monte Alverne, onde recebe os estigmas do Crucificado em seu próprio corpo. Depois, regressa à Porciúncula.
1225: Devido a uma doença dos olhos, Francisco já quase cego compõe o Cântico das Criaturas.
1226: Escreve seu Testamento espiritual e, pressentindo seu fim próximo, pede para ser levado à Porciúncula. Na noite de 3 de outubro, entrega ao Pai o seu espírito, abraçando a irmã morte.
1228: É canonizado pelo papa Gregório IX, seu amigo cardeal Hugolino, que fora protetor da Ordem dos Menores.

As Fontes Franciscanas
Ao ingressarmos nesse universo bem particular do franciscanismo – o movimento que se seguiu a Francisco e tem nele seu ponto de referência –, muitas vezes você poderá se deparar com expressões e palavras usadas pela família franciscana, mas que não são muito comuns para quem está tendo seus primeiros contatos com este homem encantador chamado Francisco de Assis.
Em qualquer biografia – livro que conta a história da vida de uma pessoa – de São Francisco de Assis, temos inúmeras referências às tais Fontes Franciscanas, ou a alguma Legenda dos Três Companheiros, ou Vida Primeira de Tomás de Celano, ou Fioretti, e por aí vai. Por isso vale uma palavra de esclarecimento sobre o que são as Fontes Franciscanas.
Com um paralelo fica mais fácil responder: Como conhecemos a vida e o que disse e fez Jesus de Nazaré, que passou pela terra há mais de 2000 anos. Quais são as fontes pelas quais conhecemos a sua história?
Facilmente, respondemos que são os Evangelhos, não é? E os Evangelhos foram escritos por aqueles que conviveram com Jesus ou, ao menos, tiveram acesso aos testemunhos dos primeiros discípulos que estiveram ao lado do Mestre, convivendo com Ele.
Da mesma forma, as Fontes Franciscanas são uma espécie de “evangelhos” da vida de Francisco, escritos por quem conviveu com ele ou, ao menos, tiveram acesso aos primeiros companheiros de Francisco. E vale lembrar também que as biografias que temos, embora diferentes em alguns pontos, assim como os Evangelhos, ajudam a formar a figura de Francisco tal qual é e tal como foi percebida pelas primeiras gerações de franciscanos. Ou seja, cada fonte é peça de um grande mosaico que forma a obra de arte toda chamada de Francisco de Assis.
E como ela é composta? Na verdade de três ou quatro grandes partes:
Escritos de São Francisco – estes formam o coração das fontes, pois foram escritos ou ditados pelo próprio Francisco ao longo de sua vida, são as regras, as admoestações, as cartas, as bênçãos, as orações e os testamentos.

Biografias de Francisco – escritas por seus companheiros ou seguidores das primeiras horas, tais como:
- Legenda dos Três Companheiros;
- Primeira vida de São Francisco de Assis, de Tomás de Celano, que também escreveu outras dois “livros” sobre a vida do santo, uma delas descoberta recentemente;
-Legenda Maior e Menor, escritas por São Boaventura;
- Anônimo Perusino;
- Compilação de Assis;
- Sacrum Commercium de São Francisco com a Senhora Pobreza;
- Espelho de Perfeição;
- Os Fioretti, entre outros.

Crônicas, testemunhos e biografias e ditos dos primeiros companheiros – formam um acervo sobre a história da expansão da Ordem Franciscana nos primeiros tempos e a vida e santidade dos primeiros companheiros:
- Carta encíclica de Frei Elias comunicando a morte de São Francisco;
- crônicas missionárias;
- vidas e ditos de Frei Egídio;
- vida de Frei Junípero
- testemunhos não franciscanos da época.

Fontes Clarianas – tem sido costume entre os editores das fontes franciscanas inserir nessa coletânea, também os escritos e biografias de Santa Clara de Assis, entendendo-a como parte integrante e constituinte do carisma de São Francisco e reveladora da face feminina deste modo de vida. Só para citar algumas:
- Regra de Santa Clara;
- cartas;
- Legenda de Santa Clara;
- testemunhos de seu Processo de canonização, entre outros.
Isso tudo só pra se ter uma ideia das Fontes Franciscanas, chamada carinhosamente de “Bíblia Franciscana”, por causa da sua espessura e da diversidade de livros que a compõe. É por elas que temos acesso à vida e ao estilo de São Francisco de Assis, de Santa Clara e dos companheiros da primeira hora, já que eles distam mais de 800 anos de nós.

Francisco de Assis em seu tempo
Duas coisas podem tornar um santo absolutamente inútil pra nós: tirá-lo totalmente do seu tempo ou reduzi-lo totalmente ao seu momento histórico. Uma pessoa sem história é mito; uma figura meramente histórica é uma estátua. Nem um nem outro nos interessa aqui. O importante é perceber como alguém do passado nos inspira ainda hoje a mudarmos o rumo de nossas vidas para abraçarmos uma grande causa e transformarmos a nossa vida e a vida das pessoas de nosso tempo. Por isso, para compreender Francisco e o grau de novidade que ele representa, há que se entender o mundo medieval, os seus valores, o seu horizonte de vida, os seus limites e ideais, bem como as instituições desse tempo.
E como era a sociedade medieval? Como ela estava organizada?
Muitos de nós já deve ter ouvido nas aulas de história sobre um tal de “Feudalismo”, esse modo como o homem medieval organizava a vida é um fator muito importante para entendermos as ambições de Francisco de Assis e a pergunta que o interpela em uma de suas visões: “Francisco, você quer servir ao servo ou ao Senhor?”.
No sistema feudal eram possíveis apenas duas opções: ou alguém servia, ou era senhor. O Rei era o dono das terras e ele as distribuía para os nobres: condes, duques, príncipes, e estes firmavam com seus servos um pacto de vassalagem. Os servos davam ao seu senhor o trabalho na terra, produzindo alimentos e outros produtos e, em troca, o senhor lhes dava proteção. O servo deveria então seu senhor feudal e entregar-lhe a maior parte dos frutos de seu trabalho; o senhor feudal por sua vez também passava parte de tudo isso para o Rei. Os senhores feudais viviam nos castelos, com fortes muralhas e altas torres que os protegiam de seus inimigos. O povo vivia nos campos e próximos a florestas e rios, onde caçavam, pescavam e cultivavam o solo.
É bom lembrar que os nobres dessa época viviam fazendo guerra entre si e com os povos que vinham de outros cantos da Europa. Logo no início da vida de Francisco, já vemos a revolta do povo de Assis contra o seu suserano e a guerra contra os nobres da cidade vizinha, Perúgia.
E como era feita a proteção?
Cada senhor feudal tinha o seu próprio exército, sua Cavalaria. Ser um cavaleiro era algo muito cobiçado pelos rapazes daquele tempo, pois lhes dava uma boa segurança na vida e também a admiração das pessoas. Os jovens que aspiravam à cavalaria cultivavam a bravura pessoal e a habilidade nos combates com espada, lança, arco e flecha. A Igreja teve grande influência sobre essa instituição, transformando-a numa instituição com grandes ideais: em defesa da religião, da mulher, dos fracos, dos órfãos, da lealdade até para com os inimigos, da cortesia e da honra.
Assim, os cavaleiros lutavam até à morte por seus senhores, em defesa dos mais fracos e em nome da religião.
Na época de Francisco, estamos no século XIII, já começavam a se formar também pequenas cidades, onde o povo ia trocar e vender parte de suas produções e artefatos. Havia um pequeno comércio nascente. E começava a despontar a classe dos “ricos de dinheiro” ao lado dos nobres, que eram “ricos de terra”, isto é, por possuírem terras. Os novos ricos, chamados de burgueses, pagavam tributos ao senhor feudal.
A família de Francisco pertencia a essa classe de comerciantes. Eles não eram nobres, mas viviam confortavelmente em Assis.
Ainda é preciso dizer que fazia parte das cidades os artesãos, que trabalhavam com suas mãos e se reunião em oficinas e corporações. Os nobres achavam indigno o trabalho manual, qualquer que fosse ele, e acreditavam que o trabalho era coisa de servos. Por isso, vamos entender mais tarde porque Francisco valorizava tanto o trabalho manual.
Por fim, a Igreja era uma instituição muito forte nesse momento: forte, poderosa e rica, quase sempre ao lado dos nobres. Havia as igrejas nos vilarejos e cidades, quase sempre muito pobres, assistidas também por padres humildes e pobres. Existiam os grandes mosteiros, centros culturais e religiosos. Os bispos ficavam nas catedrais, dentro das cidades, e exerciam também a função de juízes. Mais próximos ao papa tínhamos os cardeais e a Cúria, que cuidavam da vida da Igreja e aconselhavam o papa nas decisões que tinha de tomar. Nessa época, o papa era também rei e senhor feudal de terras que ocupavam praticamente todo o centro da Itália. Nem se compara ao Vaticano hoje, que é do tamanho de um grande quarteirão na cidade de Roma. Ironia do destino ou providência divina, nos anos de Francisco de Assis, um dos santos mais pobres e humildes que existiu, viveu Inocêncio III, um dos papas mais poderosos que a Igreja já conheceu.
A vida medieval era muito interessante e agitada, desde que os sinos batiam e o galo cantava até o sol se pôr e a imaginação e as histórias fantásticas de cavaleiros e dragões, bruxas e assombrações, castelos mágicos e figuras encantadas embalarem o sono do povo.
E isso é apenas uma parcela bem pequena do mundo em que viveu Francisco de Assis.

Francisco, sua família, sua personalidade
Francisco é filho de Dona Pica e de Pedro de Bernardone, e ao que tudo indica teve mais irmãos, dos quais pouco se sabe. Seu pai era um rico e ambicioso comerciante, sua mãe uma mulher piedosa. Ele nasce em Assis, na região central da Itália. Pedro de Bernardone viajava com frequência para a França, onde comprava os tecidos que revendia em Assis. Francisco nasce durante uma das viagens do pai, e a mãe lhe dá o nome de João, porém, assim que retorna da viagem e em homenagem ao país que tanto ama, o pai troca-lhe o nome para Francisco.
O jovem Francisco foi alfabetizado e aprendeu um pouco de matemática para ajudar o pai no comércio, mas diferentemente do pai, que era avarento e ganancioso, o filho se mostra um grande gastador e festeiro. Ele era o rei da juventude de sua época, saía noites afora cantando alto e festejando com os amigos, e pagava tudo para todos, ficando feliz ao ver os amigos felizes. Essa alegria e esse coração grande e generoso são típicos de Francisco. Além disso, era um rapaz educado e cortês, nunca respondendo as ofensas com palavras baixas. Por outro lado, era muito vaidoso no modo de vestir e se aparentar, enjoado no comer e muito centrado em si mesmo. Adorava ser reconhecido e admirado, em suma, de ser o centro das atenções.
Cada pessoa nasce com um determinado temperamento, com forças positivas e também fraquezas. Isso é dom de Deus, a matéria-prima com a qual temos de lidar para construir o nosso caráter, aquilo que somos. Uns têm um temperamento mais tímido, outros são mais expansivos e comunicativos; uns são mais explosivos, outros mais dóceis; há quem nasça mais desapegado e solidário, há quem tenha mais dificuldade para dividir e partilhar. Nada disso se escolhe, é necessário apenas aceitar o próprio jeito de ser assim como é, para poder moldá-lo e melhorá-lo a custa de muito esforço e de uma grande luta contra si mesmo. Não há por que ficar reclamando, portanto, pois é com esta nossa humanidade, limitada e cheia de feridas, que Deus quer fazer grandes coisas.
Assim fez Francisco, que reconheceu em si mesmo o seu maior inimigo. E teve de vencer o próprio eu para deixar que o Cristo pobre e crucificado fosse o verdadeiro centro de sua vida, assim como fez aquele primeiro João, o Batista, de quem Francisco recebeu o nome. O Precursor fez-se diminuir para que Cristo crescesse.
O jovem Francisco, como todo jovem, também tinha sonhos e ambições de glória e reconhecimento. Ele queria ser um grande cavaleiro e, por isso, cultivava a nobreza de espírito. Seu pai, apesar de avarento, não media esforços nem gastos para realizar o sonho do filho. E lhe comprava cavalos, armaduras, espadas e o que mais fosse necessário.

Espoleto: o sonho da cavalaria posto à prova
Assis, desde o nascimento de Francisco, estava passando por mudanças. O povo, sentindo-se dono de sua cidade, expulsou dali o duque de Espoleto, o senhor feudal, saqueando e destruindo seu castelo – a Rocca – e construindo novos muros de uma cidade livre.
A primeira oportunidade de Francisco estar ao lado dos cavaleiros foi na guerra entre Perúgia e Assis (1202). Tinha vinte anos e era com entusiasmo que se via dentro de sua couraça de ferro, com a pequena cabeça coberta por um elmo. Mas a aventura da guerra em que devia mostrar sua capacidade de manejar a espada como um intrépido cavaleiro terminou mal. Em Colestrada, a meio caminho de Perúgia, os combatentes de Assis foram derrotados e feitos prisioneiros.
No tempo que passou na cadeia, Francisco mostrou-se bondoso para com todos e de ânimo imbatível, mas acabou caindo doente, devido às péssimas condições de higiene do calabouço. Os biógrafos costumam dizer que essa longa doença, que o acompanhou mesmo depois da prisão, foi providencial para sua conversão. E sua estadia ali foi extensa, somente depois de um ano, o pai conseguiu negociar e comprar sua liberdade.
Em casa, o jovem aspirante a cavaleiro, depois da prisão, tornou-se ainda mais benigno para com os necessitados, e prometeu a si mesmo jamais negar o que quer que fosse a quem lhe pedisse pelo amor de Deus.
Já se sentindo melhor, Francisco ingressa em uma nova expedição cavaleiresca, no ano de 1205, encabeçada por certo Conde Gentil, o que lhe valeria pela bravura e atuação ser nomeado cavaleiro. Preparou uma nova e rica armadura conforme suas possibilidades e decidiu-se partir rumo às Apúlias.
Na noite anterior à viagem, ansioso e cheio de vontade de se tornar finalmente um cavaleiro, é visitado pelo Senhor em uma visão que o atrai e lhe desperta ainda mais o desejo de glória. A visão foi assim: chamado pelo nome, ele foi conduzido a um palácio, onde pôde ver inúmeras armaduras, escudos e armas. Admirado, pensou a quem pertenceriam aquelas armaduras maravilhosas. E lhe foi respondido que tudo aquilo era dele e dos seus companheiros. Não é preciso dizer que Francisco acordou felicíssimo, certo de que aquela visão representaria sucesso nas batalhas e, até mais, que ele se tornaria um grande príncipe.
Colocou-se a caminho logo ao amanhecer e entre os companheiros encontrou um cavaleiro pobre e todo esfarrapado. Foi então que, num gesto de bondade, entregou a ele a indumentária nova que havia comprado para si e a estava usando. Mesmo sem ser cavaleiro ainda, Francisco ia se treinando nos valores e ideais da cavalaria.
Em pouco tempo de viagem, o bom jovem começou a sentir-se mal e, entregue ao sono, ouviu alguém lhe perguntar aonde desejava ir. Francisco explicou todo seu plano, ao que ouviu como resposta uma pergunta: “Quem pode te fazer maior: o servo ou o senhor?” Francisco respondeu: “O senhor”. E de novo a voz: “Então por que deixas o senhor pelo servo e o príncipe pelo vassalo? Volta para tua terra e lá te será dito o que deverás fazer, pois é necessário que entendas de outro modo a visão que tiveste”.
Francisco estava diante de um dilema: continuar a percorrer a estrada em busca de uma glória insaciável sempre ávida de novos sucessos ou confiar na voz misteriosa que lhe pedia uma reviravolta radical de tudo o que ele queria e sonhava até então. O que parecia tão claro foi ficando escuro e confuso. Continuar ou voltar? A ida era certa; o retorno, um percurso novo, cheio de incógnitas.
Sentindo-se questionado no seu âmago – parece que Deus sempre faz as perguntas certas – Francisco dá um passo atrás e recua ante a esperança de tornar-se um nobre. No entanto, volta a si mesmo e se questiona pelo real sentido de sua vida. Deus o visitou, o convidou e ele aceitou. Certezas, não as tinha, mas coragem para acreditar e percorrer um caminho diverso não faltava.

O encontro com o leproso
Leprosos eram condenados a viver fora das cidades, em situação de abandono e exclusão, estavam fatalmente condenados à morte. E até que ela chegasse, restava-lhes ver suas carnes apodrecendo aos poucos. Essa era a dura e crua realidade da lepra. Não havia cura e ela se alastrava com rapidez.
Os ideais de Francisco eram opostos ao de um leproso, ele era rico, vaidoso, cercado de gente, dado às coisas boas e belas da vida. Naturalmente, o fato de ver um leproso causava-lhe asco e repugnância. Na fala do próprio Francisco: “Parecia-me demasiadamente amargo ver leprosos. E o próprio Senhor me conduziu entre eles e fiz misericórdia com eles. E afastando-me deles, aquilo que me parecia amargo converteu-se para mim em doçura da alma e do corpo; e depois parei um pouco e saí do mundo.” (Testamento 1-3)
Ser cavaleiro do grande Senhor era ser capaz de ver a doçura ali onde antes só havia horror e tristeza. Era necessária uma verdadeira conversão, uma mudança de mentalidade profunda, de valores...
Certo dia, cavalgando pelos campos, em solidão e oração, Francisco se deparou com um leproso; num primeiro ímpeto tapou o nariz e quis voltar, mas sentiu dentro de si que deveria enfrentar o seu maior medo: tornar-se um esquecido, um pobre, um desvalorizado pela sociedade como aquele ali a sua frente. Foi então que desceu do cavalo, beijou a mão do leproso e entregou-lhe uma moeda de esmola. Saiu tão transformado desse encontro que o amargor se tornou doçura e ele encontrou Cristo escondido no irmão leproso. Mais uma decisão tomada, mais um inimigo vencido, mais um passo que se desvenda no caminho de descoberta do sentido autêntico da própria existência.
E depois da primeira vitória sobre si mesmo, ficava feliz em visitar os leprosos e levar-lhes o necessário para o corpo, e ele mesmo cuidava deles com carinho.

O encontro com o Crucificado
Aqui nós nos deparamos com aquela espécie de terreno sagrado, para cuja entrada é dada a advertência: “Não te aproximes daqui; tira as sandálias dos pés porque o lugar em que estás é uma terra santa.” (Ex 3,5).
No encontro de Francisco com o Crucificado na igrejinha de São Damião estamos diante daquelas experiências místicas mais autênticas da vida cristã. As Fontes são sóbrias a relatar a tal “visão”, na verdade, uma “audição”. Passando por ali, Francisco sentiu-se impelido a entrar na igreja para orar e “tendo entrado, começou a rezar com fervor diante de uma imagem do Crucificado, a qual piedosa e benignamente lhe falou: ‘Francisco, não vês que minha casa está se destruindo? Vai, pois, e restaura-a para mim’.” (LTC 5,13,6)
Pode ser que o que mais nos cause admiração seja justamente o caráter sobrenatural desse passo da vida de Francisco: o fato de o Crucificado aparecer ou falar. Mas o essencial do encontro entre o jovem Francisco e o Crucificado, bem longe de uma aparição, parece ser justamente a profunda experiência de salvação. Naquele momento, atualizou-se para ele a Paixão do Senhor, ele contemplou o Mistério da Redenção viva sendo intimamente realizada nele e no mundo; possivelmente ele tenha perscrutado o amor e a misericórdia divinos se estendendo também por todo o mundo. Naquele momento o sangue derramado no Calvário o atingiu. E isso é muito mais do que ter a graça de uma aparição. E o que a maioria das pessoas vai percebendo ao longo da vida, Francisco o percebeu de modo concentrado na experiência com o grande Outro: Jesus de Nazaré.
As Fontes dizem que a partir daí as chagas de Cristo se gravaram em seu coração até o ponto de no fim de sua vida marcarem também o seu corpo. Falam também que ele desde então chorava amargamente a Paixão do seu Senhor e, por que não, a ingratidão dos homens, que viviam alheios e indiferentes a tão grande amor. Essa também era a causa de suas mortificações, jejuns e exercícios de penitência. Daí que o mundo via em Francisco e em seu hábito em forma de cruz, um homem vivendo na mais plena identificação com o Crucificado.
E como não reconhecer nesse encontro a fonte de uma oração composta por ele, conhecida por Absorbeat:
Absorve, ó Senhor, o meu espírito e, a ardente e suave força do teu amor arrebate a minha mente de todas as coisas que estão debaixo do céu, para que eu morra por amor do teu amor, como tu te dignaste morrer por amor do meu amor.

E também a oração que em palavras simples ele indica no seu Testamento:
Nós vos adoramos Santíssimo Senhor Jesus Cristo, aqui e em todas as vossas igrejas que estão no mundo inteiro, porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.

Há que se prestar atenção por outro lado naquilo que de fato nos foi revelado do conteúdo desse encontro pelas fontes. Em outras palavras: no que o Crucificado diz a Francisco. “Vai e restaura-a para mim!”. É possível que nesta locução de Cristo estivesse contida uma missão muito grande, mas Francisco entende o mandato com sendo uma ordem para restaurar a igrejinha de São Damião em ruínas. Só mais tarde, se entenderá que o jeito de São Francisco restauraria o jeito de viver o cristianismo dentro da Igreja como um todo em ruínas, porque esquecida da simplicidade do Evangelho.
Tão logo voltou a si, Francisco pôs-se a pensar como restaurar São Damião, foi até a loja do pai, pegou tecidos caros e os vendeu, tomou o dinheiro e entregou para o padre dar início à obra. O padre pobrezinho, com medo do pai de Francisco, homem ambicioso e mesquinho não aceitou o dinheiro. Francisco não teve dúvidas, subiu até o alto da Igreja e lançou torre abaixo o dinheiro para os pobres.
Depois disso, se escondeu em uma toca por uns trinta dias, por medo do pai, que colocou homens para prendê-lo.

Pai nosso que estais nos céus
Terminado esse estranho retiro, Francisco já cheio de coragem e alegria, pois sabia que podia confiar em Deus, voltou para Assis e se encontrou com o pai, que o manteve preso num cárcere escuro por vários dias, até que a mãe o soltou. Não satisfeito, Pedro de Bernardone foi reclamar seus direitos em praça pública exigindo aos cônsules que fizessem Francisco devolver cada centavo do que gastou.
Diante da multidão curiosa, do bispo que julgava as causas e dos nobres, Francisco apenas tirou toda a roupa do corpo e entregou ao pai, dizendo: “Devolvo a ti, tudo que lhe pertence, pois agora não chamo mais pai Pedro de Bernardone, e sim Pai Nosso que estais nos céus”. Francisco, livre e nu como o Crucificado, iniciava sua vida evangélica.
O pai enfurecido o deserdou, o bispo lançou-lhe o manto para se cobrir e o aceitou como penitente. Francisco passou então a ser um pedreiro de Deus, pondo-se a restaurar umas três igrejinhas por ali e, além disso, a cuidar dos leprosos e pedia esmolas para eles.

A vida segundo o Evangelho
Durante a celebração da missa, Francisco ouvindo que Jesus enviara seus discípulos a pregar sem que nada levassem pelo caminho, nem ouro, nem prata, nem duas túnicas, nem pão, nem calçados, nem sacola, nem bastão, sentiu-se iluminado, e esclarecido pelo sacerdote sobre essa passagem do Evangelho, disse: “É isso que desejo cumprir com todas as forças!”.
Foi assim que ele teceu para si uma túnica desprezível e tosca, tomou uma corda por cinta e, como outro João Batista, começou a pregar a penitência. E tendo aprendido também do Evangelho saudava as pessoas: “O Senhor te dê a paz!”. Anunciava a paz e pregava a salvação. Foi assim que sua vida começou atrair admiradores e seguidores.

E o Senhor me deu irmãos
Bernardo foi o primeiro a seguir Francisco, seguido por Pedro de Cattani, Silvestre, Egídio, Leão; eles provinham de diversas condições sociais e profissões, mas todos seguiam o mandato evangélico: “Se queres ser perfeito, vai vende tudo o que tens e dá aos pobres, e terás um tesouro nos céus, depois vem e segue-me.” (Mt 19,21). Assim o faziam, tomavam o hábito pobre e saíam a pregar dois a dois, trabalhavam com as próprias mãos e ainda pediam esmolas. No fim do dia, encontravam-se e partilhavam com alegria os dons que Senhor lhes tinha dado. E gostavam de estar nas igrejas, de orar e de servir, pregavam com palavras simples que o Espírito de Deus lhes inspirava, antes com o exemplo que com as palavras.
A vida de Francisco prosseguia, portanto, dirigida claramente pelo Senhor: “E depois que o Senhor me deu irmãos, ninguém me mostrou o que deveria fazer, mas o próprio Altíssimo me revelou que eu deveria viver segundo a forma do Santo Evangelho.” (Testamento 14).
Em dois anos (1208-1209), Francisco vira crescer em suas mãos um grupo de homens decididos a viver o Evangelho como ele, na extrema pobreza, na alegria, na oração, no serviço aos leprosos, anunciando a penitência nos castelos e nos vilarejos, nos campos e nas cidades.
Foi abrindo por três vezes os Evangelhos, segundo um costume medieval, que Francisco consultou a vontade de Deus para ele e seu primeiro companheiro Bernardo. Em cada vez vinham palavras que sugeriam a pobreza e a humildade. São elas: a primeira foi a já citada passagem de Mt 19,21; a segunda foi Lc 9,3: “Nada leveis pelo caminho, nem bastão, nem alforje, nem pão, nem dinheiro; tampouco tenhais duas túnicas”; e a terceira, Mt 16,24: “Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me”.
Com o passar do tempo e o crescimento do número dos frades, apresentou-se uma nova necessidade: a aprovação do Papa para seu projeto de vida. A aprovação era importante até mesmo para que o grupo de frades não fosse confundido com grupos heréticos que se multiplicavam naquele período e criticavam fortemente os erros da Igreja.
O papa era Inocêncio III (1198-1216), figura de estatura moral e política, um dos mais poderosos que a Igreja conheceu. Mas que se dobrou ante Francisco pobrezinho, aceitando seu humilde pedido de viver o Evangelho em 1210. Este foi o início do duradouro abraço de Francisco com a Igreja, numa fidelidade perene e absoluta. A presença de Francisco no Concílio Lateranse IV (1215), a concessão da indulgência da Porciúncula (1216), a eleição do cardeal protetor que fizera as vezes do Papa (1220), a aprovação definitiva da Regra (1223), foram intercâmbios de compromisso e de fé que mostram com quanto carinho Francisco e seu movimento eram vistos pela Igreja e prova da fidelidade prometida: “E assim, sempre súditos e sujeitos aos pés da mesma Santa Igreja, estáveis na fé católica, observemos a pobreza e a humildade e o Santo Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo, que firmemente prometemos.” (RB, 12)

As etapas do discernimento vocacional em Francisco de Assis
O processo de amadurecimento espiritual e vocacional de Francisco foi muito interessante e muito próprio. A vocação de Francisco pode iluminar o caminho de todo vocacionado, ainda que não possa ser “macaqueado”, porque faz parte de uma história particular e como lembrava o papa João Paulo II em uma carta para o dia mundial de oração pelas vocações: “Deus traça com cada pessoa humana uma história de amor única e irrepetível”. Sendo assim, a vida de Francisco e seu itinerário tornam-se luz e exemplo para que cada vocacionado, inspirado pelo seu modo de vida, possa também se abrir como ele se abriu e ter coragem como ele teve de se lançar no projeto de Deus.
Francisco foi, passo a passo, percebendo como Deus se revelava na sua vida concreta. O primeiro encontro e confronto foi consigo mesmo e com seus sonhos e desilusões na juventude em Assis e na cavalaria. Dado esse primeiro confronto, ele se encontrou com o outro, com o diferente, na pessoa do leproso, o que lhe abriu a possibilidade estar face a face com o grande Outro diante do Crucifixo em São Damião. O Mistério Eterno e Transcendente, Deus, feito próximo de nós na sua Palavra encarnada (Jesus Cristo Crucificado) e na sua palavra anunciada (os Evangelhos) se manifestou a Francisco. A partir do encontro com o Crucificado e com seu Evangelho, Francisco experimenta uma clareza maior em sua missão apostólica, sair pelo mundo pregando a Boa Notícia.
Um novo momento nesse processo deu corpo ao ideal de Francisco: a chegada dos irmãos, o início de algo visível, concreto, para além do seu próprio “eu”, mas motivado pelo carisma que ele recebeu de Deus. Sendo católico e experimentando toda a força de ser católico, Francisco precisava da Igreja e da certeza da estar em plena comunhão com ela e, portanto, de buscar dela a aprovação. Eis aí o encontro com o Senhor Papa e, com ele, a benção do pai dos cristãos para que ele realizasse, agora em fraternidade, aquilo que no seu íntimo o Senhor lhe havia inspirado. Ao fim de todo esse processo de busca inicial, Francisco se torna verdadeira e completamente um homem católico e apostólico, no pleno sentido que essas palavras podem ter.
Dissemos “fim do processo de busca inicial”, porque a busca pelo fazer a vontade de Deus não termina nunca. A todo dia e a cada nova situação uma pessoa de fé está desafiada a buscar a vontade de Deus, não como enigma, mas como chance de ir tornando o próprio coração e o próprio agir cada vez mais conforme o coração e o agir de Jesus. Tudo o mais serve a isto. Assim foi a vida de Francisco, assim foi a de Jesus quando esteve sobre a terra, em tudo fazer a vontade de Deus. E este é o convite para cada vocacionado franciscano.

A vida apostólica de Francisco
Tendo sua forma de vida aprovada pelo papa, Francisco e os seus voltam felizes a Assis, mas detiveram-se em Rivotorto, na planície. Mas logo seguiram caminho até Santa Maria dos Anjos, que se tornaria um lugar de referência para as andanças dos frades pelo mundo. Para garantir a pobreza do local, Francisco pediu a permissão do abade do mosteiro dos beneditinos no Monte Subásio para ali habitar.
De Santa Maria, partiram os frades para difundir em todo o mundo então conhecido a mensagem de penitência e de paz. E a cada ano, por ocasião de Pentecostes, a festa do Espírito Santo, considerado por Francisco o verdadeiro Superior de toda a Ordem, os frades voltavam a se reunir ali na Porciúncula de Santa Maria dos Anjos, e realizavam os capítulos, espécies de reuniões, nas quais os frades se encontravam fraternalmente, rezavam e discutiam sua vida e missão, verificando como poderiam viver melhor a Regra. Eles sentiam fortalecidos o coração e o ânimo no serviço do Senhor e voltavam ao campo apostólico, revigorados.
O próprio Francisco partiu, em 1219, em direção ao Oriente para peregrinar aos lugares santos e para pregar Cristo aos infiéis, não pela espada como os cruzados, mas pela mensagem de paz e conversão do Evangelho. Com ânimo intrépido conseguiu chegar até o sultão Melek el Kamel, que o recebeu com benevolência e deu-lhe um sinal de sua proteção, de modo que não fosse morte por nenhum muçulmano a seu comando.
No ano seguinte, surgiam os primeiros mártires entre os frades, eram cinco irmãos que foram martirizados em Marrocos, aos quais Francisco aclamou: “Agora posso dizer que temos cinco frades menores.”
Em 1221, os frades alcançaram a marca de 3.000 frades reunidos para o Capítulo das Esteiras na festa de Pentecostes, em volta de Santa Maria dos Anjos. O pequeno grupo de doze agora era um exército numeroso. Diante disso e de alguns conflitos que surgiam, Francisco, sentindo-se pequeno para abrigar debaixo de seus cuidados tantos irmãos e vendo que a Ordem crescia e se espalhava, deixou o cargo de Ministro de toda Ordem, para se tornar um irmão entre os irmãos. Francisco, que queria de despojar de tudo, renunciava também a ser dono da Ordem que Deus instituiu por meio dele. Seu exemplo mostrava a todos que ser ministro era um serviço do qual ninguém jamais deveria se apossar.
Ainda em 1221, Francisco conseguiu do papa Honório III (1216-1227) a aprovação do Propósito de Vida para todos aqueles que, permanecendo no mundo, desejavam também conduzir uma vida de penitência vivendo o Evangelho. Assim brotou a Ordem Terceira, hoje conhecida como Ordem Franciscana Secular (OFS).
Em 1222, Francisco passou pregando e realizando curas e milagres ao longo do centro e do sul da Itália. No ano seguinte recebe da Igreja a aprovação da Regra definitiva e, na festa de Natal, na cidade de Gréccio, ele reencenou o Natal, dando origem ao primeiro presépio vivo que se tem conhecimento, havia a manjedoura, a palha, o boi e o burro, as tochas do povo iluminavam tudo e a cidade se tornou uma nova Belém. Francisco proclamou o Evangelho e pregou com tanta doçura sobre o Menino de Belém que todos louvavam a Deus pela sua bondade e misericórdia. E isso consolou profundamente o coração de Francisco, que iria viver tempos difíceis.

Os últimos anos de Francisco
Os anos que se seguiram foram para Francisco de martírio da alma e do corpo, em vários sentidos, estamos falando de doenças, de conflitos pessoais, de uma provável “noite escura” da fé, das dores causadas pelas chagas, de certo recolhimento em relação à Ordem como um todo.
Em agosto, como de costume, o Pobrezinho sobe o monte Alverne para sua quaresma em preparação à festa de São Miguel Arcanjo. Meditando sobre o Crucificado, na Festa da Exaltação da Santa Cruz são impressas no seu corpo as chagas de Cristo já marcadas em sua alma nesses anos todos desde o encontro com o Crucificado em São Damião. E ele traz a Paixão do Senhor em seu próprio corpo. O que ama se transforma no Amado. Transformado em outro Cristo sobre a terra, Francisco não faz disso sua glória, mas esconde dos olhos humanos esse mistério de dor e de amor. Poucos foram os frades que durante sua vida puderam ver ou tocar em tais feridas.
Para que ele pudesse caminhar e continuar pregando, agora andava sobre um jumentinho. Suas dores se multiplicavam ainda mais, tinha fortes dores de estômago e nos olhos, que tiveram que ser cauterizados com ferro em brasa viva, fazendo-o sofrer muito. Assim, quase cego, ele encontra motivos para cantar e compõe o Cântico das Criaturas: “Louvado sejas, meu Senhor, com todas as criaturas” e chama a todos de irmãos: o sol, a lua e as estrelas, a água, o fogo e o vento, a chuva e todo tempo, até aquela que toda pessoa teme e normalmente não reconheceria nem abraçaria como irmã, a morte corporal, porque nos permite entrar na vida eterna, na comunhão com o Senhor. Ele louva e agradece e se alegra em meio a tantos sofrimentos.
Em cima do jumentinho, ele passa por Assis onde tudo começou, onde se despiu de tudo para seguir o Senhor, mas sentindo a morte já próxima, pede para ser levado à Santa Maria dos Anjos, na igrejinha da Porciúncula.
Com os frades, na noite de 3 de outubro de 1226, ele faz a seu modo sua última ceia, abençoa os frades e pede para ser despido. Nu sobre a terra nua, une sua voz fraca à voz dos irmãos mais íntimos ali presentes e vai ao encontro do seu Senhor fiel até o fim à Senhora Dona Pobreza, com quem se desposou.
O trinar da cotovia, elevando-se sobre a pobre cabana, anunciou ao mundo a morte de Francisco. Choraram os frades, choraram as clarissas, a cristandade chorou, pois se sentiu órfão de tão querido Pai e irmão.

Francisco e sua mensagem
Francisco era eloquente e sua voz penetrava os corações, de aspecto bondoso ele comunicava alegria, apesar de não ser dotado de beleza, encantava quem lhe cruzasse o caminho, os animais queriam estar próximos deles; os ladrões e malfeitores saíam edificados; os pecadores e ricos, envergonhados; a todos se mostrava solícito, diligente, cortês, manso e humilde.
À medida que se aproximou de Cristo, tornou-se fascinante e continua fascinando através dos séculos. Francisco foi profeta, poeta e até pateta por amor de Cristo, a quem seguiu com radicalidade e extrema coragem. Doou-se plenamente a Deus e aos irmãos, que eram todos que lhe vinham ao encontro. Reconhecendo a Deus como o Pai de todos, viveu a experiência de ser irmão: a fraternidade. E irmão menor, o que serve. E pede: “Sejam irmãos entre si”, instaurando uma verdadeira profecia para as relações humanas.
De sua vida brota uma mensagem de alegria e de paz, provavelmente por causa dessa comunhão profunda com o Altíssimo e com todas as suas criaturas. A alegria transbordava do seu interior, interior de homem duro consigo mesmo, que castigava asperamente seu corpo, mas sempre proibia aos irmãos, censurando-lhes, as penitências exageradas. Sua alegria vinha do encontro com Cristo, de sua fé na esperança, na vida, na vitória do bem sobre o mal. E não gostava de ver um rosto sombrio na fisionomia dos frades. “Mostrem-se sempre alegres!” – era seu desejo.
A sua mensagem de pobreza é também uma mensagem de liberdade e de felicidade, enquanto realização plena do humano. Ele entendeu o que Jesus ensinou no lava-pés: “Se compreenderdes isso e o praticardes, sereis felizes!” (Jo 13,17). Para Francisco, o muito possuir e a necessidade de proteger o que se possui é a causa das guerras. No desprendimento, no nada ter, ele encontra a paz e a serenidade. No serviço, a sua realização existencial; na relação com o outro sua vida ganha sentido.
O mundo e os seres que existem não são propriedade do homem, mas são fruto da graciosa bondade criadora de Deus, são beleza, são retratos em miniatura onde se reconhece a face do Criador. Em Francisco, o ser humano volta a ser o guardião do Jardim do Gênesis, o cuidador da criação. Daí ter sido proclamado o patrono da ecologia.
Enfim, Francisco é o homem plenamente reconciliado, é o homem pleno, redimido, segundo o projeto de Deus: ele encontra o homem interior, religa-se a Deus, entra em relação com o outro e com o mundo, e deseja a todos nós, em nossas lutas e aspirações: Paz e Bem!