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Santa Clara de Assis
Santa Clara de Assis

Santa Clara de Assis

A Cidade de Assis

É relativamente pequena a cidade natal de Clara e Francisco. No entanto, exerce um encanto fascinante em quem a contempla e a percorre. Está incrustada nas fraldas do majestoso monte Subásio, no vale da Úmbria.
Em 1173 o imperador alemão Henrique VI apossou-se de Assis tirando-a do poder do papa Alexandre III. Dominava as inquietas cidades italianas que se debatiam em lutas. Em Assis, como em outras cidades, os nobres se desentendiam com as classes populares (Maiores contra Menores). Os senhores feudais pretendiam exercer seu domínio sobre os servos da gleba, o que gerava brigas, fugas etc. Não bastasse isso, as cidades brigavam entre si, porque umas queriam estar sob o poder do imperador estrangeiro (guibelinos) e outras, sob o poder papal (guelfos). E, não raro, os próprios cidadãos estavam divididos: os Maiores eram partidários do imperador que lhes garantia a continuidade de seus privilégios e os Menores almejavam estar sob a jurisdição papal.
A principal atividade de Assis era a agricultura, mas já surgiam os profissionais liberais: sapateiros, comerciantes, açougueiros, alfaiates, padeiros etc. A família de Francisco vivia do comércio de tecidos que o pai de Francisco, Pedro, filho de Bernardone, ia buscar na França.
Como sempre, as classes menos favorecidas lutavam para sobreviver; empregavam-se nas casas dos ricos, trabalhavam para os mercadores de lã; os mais sofridos faziam “bicos” em troca de pão ou pediam esmolas.
Morrendo Henrique VI, Assis vê nisso a oportunidade de se libertar e se rebela contra o domínio estrangeiro. Francisco tinha dezesseis anos e, provavelmente, participou da derrubada da Rocca, a fortaleza alemã no ponto mais alto da cidade.

Clara
Clara nasceu numa família nobre (Maiores), detentora, como as cerca de vinte outras famílias, de terras e castelos nas redondezas. É a primeira filha do casal Favarone e Hortolana, ambos filhos da nobreza. Isto ocorreu, provavelmente, por volta de junho-julho de 1193 e, embora alguns biógrafos falem em vários filhos do casal, conhecemos apenas Clara, Catarina e Beatriz. Pouco se sabe de seu pai. Na maior parte do tempo ele estava ausente de casa por ser um “miles”, isto é, um soldado a serviço de um suserano.
Monaldo, irmão de seu pai, era a figura forte da casa; talvez fosse o mais velho dos irmãos. A mãe destacava-se, na vida familiar, por sua grande religiosidade, firmeza e bondade. Foi ela a escolher o nome para a filha e a mostrar-se simpática ao fato de Clara ter abraçado a vida religiosa. Mostrou-se corajosa e empreendedora, pois, movida pela fé, realizou arriscadas peregrinações a famosos santuários: São Miguel, São Tiago de Compostela, Roma e Terra Santa. A peregrinação aos lugares onde Jesus viveu só foi possível por uma concessão do sultão Saladino I, pois a Terra Santa estava sob seu domínio. Tal concessão valia só para os cristãos que entrassem na Terra Santa sem armas. O sultão Saladino I conquistara Jerusalém e a reação do Papa Gregório VIII foi organizar uma cruzada com Frederico Barbarruiva, Ricardo Coração de Leão e Felipe Augusto, rei da França. O que se conseguiu foi apenas a “Paz de Compromisso”.
Clara, nascendo numa família de forte cunho religioso, passou a infância vivenciando as várias facetas da vida: estudo, lazer, trabalhos manuais, especialmente o bordado que continuará fazendo no claustro, só que para confeccionar panos usados na liturgia. Sempre foi uma pessoa dedicada à oração pela benéfica influência de sua piedosa mãe. As testemunhas dizem também que frequentemente, a jovem Clara pegava seu alimento e o mandava aos mais necessitados. Um traço não menos importante de sua personalidade era seu recato; preferia ficar em casa a expor-se em público.
A família de Clara, sendo de alto nível social, passou por difíceis momentos devido a perturbações políticas, rivalidades entre as famílias, rumores de lutas entre cidades. Artesãos, comerciantes e a burguesia ambicionavam reverter a situação social, política e econômica, provocando convulsões na cidade. Os Menores não aceitavam ser dominados por um estrangeiro e conseguiram apoderar-se do símbolo do poder na cidade, a Rocca, e demoliram-na. Favarone viu-se obrigado a asilar-se em Perugia com sua família.
Tudo isto era observado e refletido por Clara; ela pesava os valores da sociedade e os do Evangelho e algo foi amadurecendo em seu coração.
Como era normal, os pais pensavam no futuro da filha e, segundo eles, tudo terminaria num sólido matrimônio. Bem outro era o pensamento de Clara e, por isso, recusava as propostas de casamento. Cultivava as virtudes, aprendia o que tocava às jovens de então, rezava, fazia penitência, aprendia com o exemplo dos santos. Não foi sem razão que Bona, uma de suas amigas, disse ser ela uma pessoa de “grande maturidade de espírito”.
Em 1201, Assis e Perugia entraram em conflito armado. O combate foi em Colestrada. Os assisenses foram derrotados e muitos levados prisioneiros, inclusive um jovem cheio de sonhos, Francisco. Ele ficou um ano preso e passou pelas humilhações que costumam acontecer em tal situação. Ficou doente. Seu pai negociou e levou-o para casa.


A fuga

Naqueles dias, os comentários corriam soltos a respeito de um rapaz rico, Francisco, que trocara o bem-estar, o dinheiro, as festas por uma vida de pobreza total e pregação do Evangelho. Falava-se também a respeito de Rufino, primo de Clara, que abandonara a casa paterna para seguir Francisco. Os comentários, naturalmente, aconteciam também na casa de Favarone; Clara ouvia e meditava sobre o acontecido com Francisco e sobre a original vida de fraternidade por ele inaugurada. Sentia-se atraída a fazer algo semelhante.
Às escondidas, por meio de seu primo, frei Rufino, encontrou-se algumas vezes com Francisco, durante uns três anos. “A moça saía de casa levando uma só companheira e frequentava os encontros secretos com o homem de Deus. Suas palavras pareciam flamejantes e considerava suas ações sobre-humanas” diz a Legenda. Provavelmente, a mãe Hortolana e o bispo Guido sabiam disso, pois conheciam o coração de Clara todo voltado para as coisas de Deus.
Amadureceu a ideia de se consagrar a Deus numa vida de despojamento. Os encontros com Francisco solidificaram a decisão da nobre jovem de consagrar sua vida ao Senhor Crucificado. Assim, aos dezoito anos, resolve deixar a família para ser totalmente de Deus. Porém, conhecia a própria família e sabia que ninguém aprovaria sua resolução.
Decidiu sair de casa às escondidas. Tudo estava acertado com Francisco e seus companheiros. Era o Domingo de Ramos de 1211.
Pela manhã, ela e a família foram à missa solene presidida pelo bispo Guido. Clara estava com as amigas Bona e Pacífica. Terminada a missa retorna a casa e o dia transcorre tranquilamente. Ninguém se dá conta de que em breve algo inusitado vai acontecer. Desce a noite, todos dormem, exceto Clara e Bona. Não podem sair pela porta da frente, pois ali guardas cuidam da casa. A solução é sair por uma porta dos fundos do castelo. A porta, no entanto, está bloqueada por uma enorme pedra. Juntando todas suas forças e, com certeza, auxiliadas pelo alto, conseguem abri-la. A noite serve-lhes de manto e assim atravessam a planície e são acolhidas por Francisco e seus frades, que, com tochas para iluminar o caminho, conduzem-nas à Porciúncula.
Como sinal de sua entrega a Cristo, Clara teve os cabelos cortados por Francisco. Sendo leigo, Francisco não podia realizar tal gesto; provavelmente recebera autorização do bispo para agir em seu nome. Clara vestiu uma túnica pobre, um véu escuro e um cordão branco na cintura.
Naquela mesma noite, Clara é levada pelos freis ao mosteiro São Paulo das monjas beneditinas, na cidade de Bastia.
O bispo de Assis era o protetor do mosteiro que tinha alguns privilégios, entre eles, o de asilo, sancionado, em 1201, pelo Papa Inocêncio III. O privilégio de asilo era uma garantia para quem fosse perseguido, por inimigos ou pela lei, uma vez estando no mosteiro, a pessoa estava protegida.
Por que Clara foi levada àquele mosteiro? Provavelmente, Francisco prevendo a reação da família de Clara, pensou num lugar onde ela estivesse fora do alcance dos seus familiares.
Ao raiar do novo dia, os familiares de Clara ficam alarmados com o desaparecimento da jovem. Entre nervosismo e ansiedade procuram entender o acontecido. Considerando a profunda religiosidade de Clara, não demoraram muito para concluir onde poderia estar. Seus tios dirigem-se ao mosteiro com o propósito de levá-la de volta para casa.
Clara está em oração e ao perceber a furiosa entrada dos seus, sem dizer qualquer palavra, simplesmente agarra a toalha do altar e descobre a cabeça.
Compreendem que ela já é uma consagrada e que tocá-la é incorrer automaticamente em excomunhão.
Assim, desconcertados e vencidos, voltam ao castelo de Favarone.
Depois da Páscoa, Clara é conduzida para outro mosteiro na encosta do monte Subásio, o de Santo ngelo de Panzo.
Qual o motivo da reação dos familiares de Clara? Não só por ela ter contrariado seus planos. Havia também um motivo gerado pela posição social, pelo orgulho. O que seus familiares não suportaram foi Clara ter entrado no mosteiro sem nenhum dote, pois distribuíra tudo aos necessitados. Portanto, ingressando no mosteiro, sem nenhum bem, ficaria ali na condição de serva, empregada.

Novo impacto
Na segunda semana de Páscoa, após a fuga de Clara, Catarina repete o gesto da irmã. Foge de casa e vai para junto de Clara.
Desaba o céu na cabeça da família. Monaldo, seu tio, convoca vários cavaleiros e vão ao mosteiro. Em vão, a priora do mosteiro tenta impedi-los de chegarem até as duas irmãs. Agarram Catarina e arrastam-na para fora do mosteiro. Ela, porém, grita para a irmã pedindo ajuda. Clara assalta o céu com sua oração pedindo a intervenção de Deus que confunde aqueles homens.
Conta a Legenda de Santa Clara: “Logo, voltando-se para Catarina, pois de Clara já antes tinham perdido a esperança, disseram: ‘Por que veio a este lugar? Volte quanto antes para casa conosco’. Quando ela respondeu que não queria se separar de sua irmã Clara, lançou-se sobre ela um cavaleiro enfurecido e, a socos e pontapés, queria arrastá-la pelos cabelos, enquanto os outros a empurravam e a levantavam nos braços. Diante disso, a jovem, vendo-se arrancada das mãos do Senhor, como presa de leões, gritou: ‘Ajude-me, irmã querida, não deixe que me separem de Cristo Senhor’.
Os violentos atacantes arrastaram a jovem enchendo o caminho de cabelos arrancados. Clara, em lágrimas, prostrou-se em oração pedindo que a irmã mantivesse a constância e suplicando que a força daqueles homens fosse superada pelo poder de Deus. De repente, o corpo dela, caído por terra, pareceu fincar-se com tanto peso que diversos homens, juntando as forças, não conseguiram de modo algum levá-la para além de um riacho. Acorreram também alguns dos campos e vinhas para ajudá-los, mas não puderam levantar do chão aquele corpo. Tiveram que desistir do esforço e exaltaram o milagre...”.
Voltam ao castelo, confundidos e humilhados, enquanto Clara e as beneditinas vão ao encontro de Inês, que alegre se levanta. Todas louvam ao Senhor por ter socorrido uma frágil criatura.
A família de Clara, especialmente o tio Monaldo, diante do acontecido, sendo tementes a Deus, deixaram as duas irmãs em paz.
Acalmados os ânimos, Francisco vai até o mosteiro e recebe Catarina, a quem entrega o hábito de Dama Pobre e troca-lhe o nome; Catarina será, a partir de então, Irmã Inês.
As duas dedicavam o dia à oração e ao trabalho. A calma era ideal para a contemplação, mas sentem que ali não é seu lugar. Onde seria a moradia definitiva das Irmãs? Orando e refletindo para ser esclarecida e, sob a orientação de Francisco, na segunda-feira de Pentecostes, Clara, acompanhada por Inês, deixa o mosteiro e vai instalar-se definitivamente em São Damião.

Penitência, oração

“Sua cama era a terra nua; às vezes, uns sarmentos. Como travesseiro usava um toco duro embaixo da cabeça. Com o tempo, de corpo já enfraquecido, estendeu uma esteira no chão e teve a clemência de dar à cabeça um pouco de palha. Depois que a doença começou a tomar conta do seu corpo tão severamente maltratado, usou um saco cheio de palha por ordem do bem-aventurado Francisco” (Legenda de Santa Clara 17).
Seus jejuns eram severos e contínuos “que mal teria podido sobreviver corporalmente com o leve sustento que tomava, se outra força não a sustentasse. (...) Não tomava nada de alimento durante as quaresmas e em três dias por semana, nas segundas, quartas e sextas-feiras” (LSC 18).
Quanto ao seu espírito de oração, diz a Legenda: “Já morta na carne, estava tão alheia ao mundo que ocupava sua alma continuamente em santas orações e divinos louvores”.

Floração

Do modesto mosteiro e da igrejinha de São Damião, Clara irá irradiar tal claridade evangélica que muitas jovens acorrerão ali para seguir Cristo pobre e crucificado, forçando a ampliação das instalações.
A segunda irmã de Clara, Beatriz, sua mãe Hortolana e mais três sobrinhas vieram aumentar o número das Irmãs Pobres em São Damião.
Não bastasse isso, muitas irmãs tiveram que deixar São Damião e fundar outros mosteiros devido ao afluxo vocacional que Clara despertou principalmente entre as jovens da nobreza e da burguesia. Quem entrava em São Damião fazia-o movido por um chamado divino e por resposta àquilo que fora intuído como algo empolgante e fundamental da existência: a identificação com Cristo. Ingressar na vida consagrada por decepção sentimental, busca de destaque, fuga da vida etc., jamais teriam estabelecido uma base sólida para os embates que inevitavelmente acontecerão.
Santa Clara escreveu: “Não receávamos nenhuma pobreza, nem trabalho nem tribulação, nem vida humilde, nem desprezo do mundo” (Regra de Santa Clara).
Assim como para Francisco, também para as corajosas de São Damião, o ideal de vida, o modelo a ser seguido era Cristo pobre e crucificado.
Passados apenas dois anos da morte de São Francisco, em 1226, as irmãs já haviam fundado vinte e quatro mosteiros. Por volta de 1250, eram mais de cem na Itália e uns treze na França.
A irmã de Clara, Inês, levou a nova forma de vida consagrada para Santa Maria de Monticelli na cidade de Florença. Esta separação durou mais de trinta anos. Uma carta de Inês revela a profunda união daqueles dois corações e o sacrifício da separação.
“Ó dulcíssima mãe e senhora, que posso dizer, se já não espero rever corporalmente a vocês, minhas irmãs?”.
Inês só voltou a São Damião para ver Clara nos últimos dias de vida.
Além da França, a fama de São Damião chegou à Boêmia (República Tcheca), onde a princesa Inês de Praga mandou construir um mosteiro para acolher as vocações de sua terra. Depois, ela recebeu o dom da vocação e, em 1234, ingressou no mosteiro por ela fundado. Manteve assídua correspondência com Santa Clara; deste acervo de espiritualidade, sobraram apenas quatro cartas.
Era filha de Otocar I, rei da Boêmia e de Constância da Hungria. Conforme o uso da época, teve matrimônio arranjado pelos pais quando contava apenas nove anos. Seu futuro marido era o príncipe Henrique, filho do imperador Frederico II da Áustria, para onde foi encaminhada a fim de aprender a língua e os costumes. Por causa de desavenças políticas, o matrimônio não aconteceu. Com a morte de seu pai, seu irmão Wenzel subiu ao trono e foi pressionado pelo imperador Frederico II para que convencesse Inês a casar-se. Sabendo disso, o Papa Gregório IX mandou um legado para intervir a favor de Inês, solicitando ao imperador e a Wenzel que respeitassem a decisão dela.
Assim, Inês pôde deixar a corte e ingressar no mosteiro do qual foi abadessa vitalícia por decisão do papa Gregório IX; viveu quarenta e oito anos no mosteiro e ali faleceu aos 77 anos, no dia 6 de março de 1282. Foi canonizada pelo santo Papa João Paulo II, em 12 de novembro de 1989.

Perigos

É natural a ligação afetiva de uma pessoa à sua cidade de origem. Francisco e Clara não fugiram a essa regra. Ambos amavam sua cidade natal. Francisco ao ser transportado doente para Santa Maria dos Anjos, voltado para sua querida Assis, abençoou-a de coração.
Clara, exceto pela sua curta permanência em Perugia, sempre viveu em Assis.
A afeição de Clara por Assis ficou evidente no episódio dos sarracenos. Aconteceu que o Papa Gregório IX excomungou o imperador Frederico II da Áustria; este, por sua vez, deixou cair sua mão de ferro sobre toda a região de Espoleto para castigar as cidades que permaneciam fiéis ao Papa. Recebeu reforço dos sarracenos, que eram inimigos dos cristãos. Grande parte dos assisenses fugiu para outras cidades.
As Pobres Damas foram acometidas pela preocupação. No dia 24 de setembro de 1240, os seguidores de Maomé penetram no pátio do mosteiro de São Damião. A situação chega ao nível extremo: que acontecerá às irmãs diante de um bando de homens raivosos? Que poderão elas fazer?
Clara abatida pela doença pede que lhe tragam a caixa de prata revestida de marfim, com o santíssimo sacramento e vai em direção aos sarracenos. De repente, cai um profundo silêncio na casa, cessa o barulho dos invasores. As irmãs agradecem a Deus.
Assis tem uma dívida de gratidão com Santa Clara, pois alguns anos mais tarde, novo perigo rondou seus muros. Vital de Aversa, sob as ordens de Frederico II, cerca a cidade. Ansiedade e expectativa entre os habitantes.
A Legenda narra: “Quando Clara, a serva de Cristo, soube disso, suspirou veementemente, chamou as Irmãs e disse: ‘Filhas queridas, recebemos todos os dias muitos bens dessa cidade. Seria muita ingratidão se, na hora em que precisa de nós, não a socorrêssemos como podemos’. Mandou trazer cinza, disse às irmãs que descobrissem a cabeça. Primeiro espalhou muita cinza sobre a cabeça nua. Colocou-a depois também sobre as cabeças delas. Então, disse: ‘Vão suplicar a nosso Senhor com todo o coração a libertação da cidade.” (LSC 23). Sem nenhum motivo plausível, no dia seguinte, o comandante retirou-se com as tropas. Era o dia 22 de junho de 1244. Irmãs e povo reconhecem a proteção divina no episódio. Até hoje, Assis celebra, no dia 22 de julho, o acontecimento atribuído à santa Clara e suas irmãs. É a chamada Festa do Voto (promessa).

“Bendito sejais...”

Durante sua vida em São Damião, Clara teve a saúde abalada. Por vinte e nove anos suportou pacientemente sua longa doença; nunca foi vista reclamando de suas enfermidades. Algumas vezes, a situação de saúde ficou tão crítica que as irmãs temiam ficar sem sua Mãe e modelo. Numa destas crises, ela escreveu o Testamento. A doença acrisolou sua virtude e certamente fez cair uma chuva de graças no mundo.
Suas inúmeras penitências e jejuns alquebraram-lhe o corpo; agora a própria saúde mostrava-se extremamente frágil.
“Exortada pelo bondoso Frei Reinaldo a ser paciente no longo martírio de todas essas doenças, respondeu com voz mais solta: ‘Irmão, desde que conheci a graça de meu Senhor Jesus Cristo, por meio de seu servo Francisco, nunca mais pena alguma me foi molesta, nenhuma penitência foi pesada, doença alguma foi dura’.” (LSC 44).
Clara não conseguira ainda realizar seu grande desejo: obter de Roma a aprovação do “Privilégio da Altíssima Pobreza”, isto é, que a Ordem das Damas Pobres não tivesse nenhuma posse. O Papa Inocêncio IV, por sua vez, achava que as irmãs deveriam ter alguns bens em comum, para a manutenção da comunidade e redigiu as Constituições para as Irmãs, tendo em conta seu modo de ver. Clara viu nisto um perigo. Ela cogita em escrever uma Regra para suas irmãs. Mas, como fazer para que o Papa retirasse a Regra por ele escrita e aprovasse a que ela queria apresentar-lhe?
Em novembro de 1251, o Papa deixa Lion, na França, e vai a Perugia com alguns cardeais. Clara é visitada pelo cardeal Reinaldo de Segni, na ocasião, protetor da Ordem. Apresenta-lhe a Regra escrita e recebe dele a promessa de interceder junto ao Papa em favor do “Privilégio”. Porém, mais de um ano depois, Clara ainda esperava a voz de Roma a favor de seu pedido.
Em 1253, o Papa Inocêncio IV foi a Assis em peregrinação ao túmulo de São Francisco. Algo inédito aconteceu: no dia 9 de agosto foi a São Damião. Encontrou Clara sofrendo num leito de palha estendido num canto do dormitório. Ela pede perdão de todos seus pecados; o Papa respondeu-lhe: “Tivesse eu necessidade apenas de tal perdão!”
O pastor supremo da Igreja concedeu-lhe a indulgência plenária e a bênção apostólica. Ela expõe-lhe seu desejo: que ele aprove a Forma de Vida que ela escrevera.
Após a visita do Papa, bispos e cardeais foram a São Damião. A estima do povo pela sua mais ilustre filha crescia quanto mais se prolongava a agonia de Clara que definhava e desejava que a irmã morte rompesse seus laços para unir-se ao Esposo na festa eterna.
Recebe grande consolo ao ter a seu lado os três freis que foram encontrá-la com tochas, na noite em que fugira de casa: Frei ngelo, frei Egídio e frei Leão. Eles queriam recolher seu adeus.
Chegou o dia da vitória de Clara, 10 de agosto. Um frade chega a São Damião com a bula pela qual Inocêncio IV concedia-lhe o tão desejado privilégio da pobreza, mas somente para o mosteiro de São Damião. O coração de Clara encheu-se de paz e alegria; seu grande desejo fora realizado.
Retomando toda sua história, refletindo sobre tudo o que lhe acontecera, Clara tem um gesto de profunda gratidão para com Deus misericordioso e exclama do fundo da alma:
“Bendito sejais vós, Senhor, que me criastes”.
Era o reconhecimento pelo inefável dom da vida e pela história que fizera na busca do Senhor.
O povo de Assis sabia do grave estado de saúde de Clara. No dia 11 de agosto de 1253, ouve-se o toque do sino de São Damião, anunciando a morte da mais santa das mulheres de Assis. Ao nascer do dia, Clara nascia para a eternidade. Assis ficava novamente órfã.
O povo acorre para São Damião. As autoridades também, provavelmente para impedir que alguém de outra cidade, Perugia, por exemplo, arquitetasse levar o corpo de Clara, pois era uma prática um tanto comum na época roubar os corpos dos santos.
Até o próprio papa Inocêncio IV, que se encontrava em Assis, foi com seus cardeais, prestar a última homenagem àquela que admirava. Entre os muitos da cidade, com certeza, se achavam presentes os membros da casa Favarone. No dia 12, o corpo foi levado para a igreja de São Jorge, a mesma igreja que, em 1226, acolhera o corpo de São Francisco. Clara retornava a Assis, de onde saíra há 42 anos. Não ficou em São Damião por motivo de segurança. No mosteiro devia reinar um silêncio dolorido pela ausência daquela que fora o sol das irmãs.
A lacuna deixada por Clara foi preenchida com a eleição de Irmã Bendita como abadessa.
Logo depois, a irmã morte visitaria novamente São Damião para abraçar suavemente Inês, a irmã inseparável de Clara e uma das primeiras a segui-la nas pegadas do Senhor. Isto ocorreu no dia 27 de agosto, atraindo novamente a multidão de Assis. Em 1260, o corpo de Santa Inês foi transportado de São Damião para a basílica de Santa Clara.

Glorificação

Em meados de outubro daquele mesmo ano de 1253, o papa Inocêncio IV solicitou, pela bula “Gloriosus Deus”, que fosse aberto o processo de canonização daquela a quem visitara nos últimos momentos de vida. Para tanto, encarregou o bispo de Pisa e Espoleto, Dom Bartolomeu, que reuniu alguns frades com os quais foi a São Damião no mês de novembro. Iniciou-se o interrogatório das irmãs que conviveram com Clara.
Reportamos alguns trechos do que as testemunhas falaram de Santa Clara naquele processo:
“... era tida por todos os que a conheciam como pessoa de grande honestidade e de vida muito boa; e que se dedicava ocupava com as obras de piedade.”
“... a bem-aventurada madre passava tantas noites acordada em oração e fazia tantas abstinências que as Irmãs ficavam com pena e se lamentavam.”
“... era tão severa nos alimentos que as irmãs se admiravam de como o seu corpo vivia.”
“... estando doentes cinco irmãs no mosteiro, Santa Clara fez sobre elas o sinal de cruz com sua mão e imediatamente ficaram todas curadas”. (testemunhos da Irmã Pacífica).
“E disse que foi tão grande a santidade de vida e a honestidade dos costumes da bem-aventurada madre que nem ela, nem alguma das irmãs poderia explicar plenamente.”
“... desde que Santa Clara entrou na Religião, o Senhor aumentou suas virtudes e graças, mas ela sempre foi muito humilde e devota, benigna e muito amante da pobreza, tendo compaixão das aflitas.”
“Castigava o seu corpo com roupas ásperas, tendo algumas vestes feitas de cordas de crina ou de cauda de cavalo.” (testemunhos da Irmã Filipa).
“Amava as irmãs como a si mesma. E as irmãs em vida e depois de sua morte reverenciam-na como santa e mãe de toda a Ordem”. (testemunho da Irmã Amata).
“... de nenhum modo saberia explicar a santidade da vida de dona Clara e a honestidade de seus costumes. Mas achava que, como acreditava firmemente, ela tinha sido cheia de graças e de virtudes e de santas obras, e achava que tudo que de santidade pode ser dito de alguma mulher depois da Virgem Maria, em verdade poderia ser dito dela”. (testemunho da Irmã Cristina de Brisse).
Em dezembro de 1254, morre o papa Inocêncio IV. É eleito sumo pontífice o cardeal Reinaldo, protetor das Irmãs, que se chamou Alexandre IV. A fama da santidade de Irmã Clara já se espalhara pelo mundo cristão devido, inclusive, aos milagres que realizara.
Dois anos após sua morte, foi canonizada por Alexandre IV pela bula “Clara claris praeclara” na catedral da cidade de Anagni, perto de Roma. A data de promulgação da bula é imprecisa; provavelmente ocorreu setembro de 1255. Foi assim glorificada a primeira seguidora de São Francisco.
Em certos trechos a bula de canonização é um verdadeiro hino de louvor à “pobrezinha de Cristo”: “Clara, preclara por seus méritos, clareia claramente no céu pela claridade da grande glória e, na terra pelo esplendor de sublimes milagres”. “Ó Clara, dotada de tantos modos pelos títulos da claridade! Foste clara antes da conversão, mais clara na conversão, preclara por teu comportamento no claustro, brilhaste claríssima depois do curso da presente existência!”. “Brilhou no século e resplandeceu na religião. Em casa foi luminosa como um raio, no claustro teve o clarão de um relâmpago! Brilhou na vida, irradia depois da morte. Foi clara na terra e reluz no céu! Como é grande a veemência de sua luz e como é veemente a iluminação dessa claridade”.

Depois...

No ano de 1260, as irmãs deixam São Damião e vão para o protomosteiro, no centro de Assis. No dia da morte de São Francisco, 3 de outubro, o corpo dela foi levado para a basílica que estava sendo construída em sua homenagem, perto da igreja de São Jorge. Isto em 1260. Três anos depois, o papa Urbano IV promulga uma Regra de vida para as Irmãs, que começaram a ser chamadas de Clarissas a partir de então.
Em 23 de setembro foi aberto o sarcófago onde estava o corpo de santa Clara, que fora descoberto em 30 de agosto de 1850. Em 1872, o corpo incorrupto de Santa Clara foi transladado para a nova cripta de sua basílica, onde está exposto à visitação dos fiéis. Em 1958, o papa Pio XII proclamou santa Clara padroeira da televisão. Tal proclamação tem origem num fato relatado no Processo de canonização. Devido à sua enfermidade, Clara não pode ir com as irmãs à basílica de São Francisco para a celebração litúrgica do Ofício divino na noite de Natal. Em oração, lamentou-se com o Senhor e começou a ouvir os cantos, sendo favorecida por Deus com a visão da cerimônia numa forma de projeção na parede de sua cela. Assim seguiu piedosamente a liturgia como se lá estivesse, embora São Damião ficasse na outra extremidade da cidade.